Imperatriz (MA) - A coleta e a extração da amêndoa do coco de babaçu, atividade que responde pela renda familiar de mais de 400 mil mulheres nos Estados do Pará, Maranhão, Tocantins e Piauí, tem sofrido um revés significativo desde que o potencial calorífico do carvão vegetal produzido a partir do coco inteiro ou de sua casca foi "descoberto" pelas indústrias siderúrgicas de produção de ferro-gusa abastecidas pelo minério de Carajás.
Ativas na região há mais de um século, as quebradeiras de coco babaçu, reconhecidas e incluídas pelo governo federal no conceito de População Tradicional no início de 2007, desenvolvem uma das atividades extrativistas economicamente mais importantes da região amazônica.
Apesar do desmatamento acelerado, os babaçuais ainda ocupam cerca de 18 milhões de hectares nos quatro estados. As quebradeiras, via de regra "sem-terra", coletam tradicionalmente cocos de palmeiras localizadas em toda a região, independentemente do cadastro fundiário da terra. A amêndoa do babaçu é utilizada para a fabricação de azeite, leite ou sabão. O mesocarpo é matéria-prima para produção de farinha, e o carvão da casca serve justamente para consumo próprio das famílias (no aquecimento dos fogões à lenha) ou para venda no mercado local.
A partir de 2001, no entanto, a rápida expansão de atividades agropecuárias e a conseqüente derrubada massiva das palmeiras de babaçu, bem como o "fechamento" de babaçuais (restrição de acesso a propriedades privadas por parte de fazendeiros e pistoleiros), desencadearam a luta pela Lei do Babaçu Livre. Em tramitação no Congresso Nacional - mas já vigente em alguns municípios -, a medida surgiu da preocupação das quebradeiras, que iniciaram uma série de campanhas e lutas pela preservação da atividade extrativista e dos próprios babaçuais. Mas foi a repentina valorização do coco como matéria-prima para fabricação de carvão vegetal que, mais agudamente desde 2005, começou a impactar não apenas a renda, mas toda a cultura das quebradeiras.
De acordo com o Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), que atua nos quatro estados, o coco, que até pouco não tinha valor comercial para os fazendeiros, passou a ser um produto de mercado. Se, por um lado, essa valorização pode brecar o desmatamento dos babaçuais, por outro restringiu ainda mais o acesso das quebradeiras ao produto e começou a modificar toda a atividade de extração.
Segundo Ana Carolina Mendes, coordenadora técnica MIQCB em São Luís (MA), muitas quebradeira tem sido transformadas em meras "catadeiras", atividade de coleta do coco inteiro para fazendeiros, guseiras ou carvoarias, com remuneração miserável, que, além de não proporcionar a renda necessária para a manutenção da família, também priva as mulheres dos subprodutos do babaçu. "Hoje, pagam R$ 1,00 pelo saco de coco. Deste tanto, a quebradeira poderia tirar 12 kg de amêndoas (o bastante para produzir 1,5 litro de azeite, vendido a R$ 6,00 em média), 1 kg de mesocarpo, vendido a R$ 6,00, e quatro latas de carvão de casca, vendido a R$ 2,50 a lata", afirma Maria Querubina da Silva, coordenadora do MIQCB em Imperatriz (MA).
No pequeno povoado de Mundo Novo, a de 50 km de Imperatriz (MA), as cerca de 15 famílias que vivem exclusivamente do babaçu passaram a sofrer ameaças dos fazendeiros desde 2005. "São cinco grandes fazendeiros que hoje moram em uma área já destinada à criação da reserva extrativista (Resex) da Mata Grande. Hoje, os babaçuais são arrendados para siderúrgicas de Açailândia (MA). Quem entra nas áreas leva bala. Aconselhamos que ninguém tente", afirmou Ribamar da Silva, presidente da Associação da Resex Mata Grande, que já foi ameaçado de morte. "Quando soube do arrendamento, não consegui dormir à noite. Não tenho renda de nada, a única renda é o coco do babaçu", arremata a quebradeira de coco Antônia Lima.
Na comunidade do Mundo Novo, município de Amarante (MA), a cerca de 150 km de Imperatriz, praticamente a totalidade dos babaçuais foi arrendada por uma carvoaria pertencente a uma fornecedora das siderúrgicas Ferro Gusa Carajás (FGC), pertencente à Vale, e à Terra Norte Metais, em Marabá (PA). De acordo com a presidente da associação local de quebradeiras, Ivaneide de Andrade, a parcela de amêndoas que ficavam com as próprias quebradeiras caiu de 70% para 50%, depois que a arrendatária passou a vender o óleo para uma empresa. A mesma arrendatária paga ainda, segundo o relato de Ivaneide, R$ 0,90 pelo saco de 60 litros para catadores de coco. "Desde que começou o arrendamento, a vida ficou muito difícil. Muita gente fica sem atividade entre dezembro e abril, na baixa da safra", explica.
Na comunidade do Grotão, também em Amarante (MA), muitas quebradeiras têm sido obrigadas a comprar o coco para manter sua pequena clientela de azeite e carvão. Um carregamento de carro de boi é vendido de R$ 35,00 a R$ 50,00, o que deixa pouquíssimo lucro para as quebradeiras. "Alem disso, é o comprador de azeite e carvão que está colocando o preço que quer nos nossos produtos. Aqui vendemos o litro do azeite por R$ 4,00 e o saco de carvão por R$ 6,00. É muita humilhação", desabafa a quebradeira Raimunda de Andrade.
Biodiesel
Em 2004, o governo do Maranhão começou a elaborar um projeto de produção de biodiesel a partir do babaçu no intuito de aproveitar o potencial do Estado, que detém cerca de 80% dos babaçuais da Amazônia Legal. No âmbito do Programa Biodiesel do Maranhão, foi criado um grupo de trabalho com o objetivo de estudar a viabilidade e competitividade técnica, econômica, social e ambiental do "agronegócio do babaçu", além de um projeto para uma planta piloto que recebeu R$ 700 mil do Fundo Setorial de Energia do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
Segundo o pesquisador do Núcleo Biodiesel da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Adailton Maciel, o projeto acabou paralisado por problemas técnicos, mas as dificuldades para a criação de um programa de porte de biodiesel de babaçu são grandes. "Não é possível sustentar uma indústria de biodiesel apenas com o extrativismo. Além do mais, a questão social que envolve as quebradeiras de coco é muito complexa. Hoje não temos condições de fazer biodiesel de babaçu, e nem sei se teremos", afirmou o pesquisador.
O projeto preocupa o MIQCB. De acordo com a assessora técnica do movimento em Imperatriz, Maria José Viana, a agregação de valor comercial com a utilização do babaçu para produção de biodiesel poderá aprofundar os problemas já sentidos com a valorização do produto por parte da indústria carvoeira e siderúrgica, o que poderia criar uma verdadeira crise social.
Notícia relacionada:Babaçu livre
Leia o relatório "O Brasil dos Agrocombustíveis - impactos das lavouras sobre a terra, o meio e a sociedade: soja e mamona", primeiro de uma série de documentos sobre o tema.
Confira o site do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveisaqui.
Fonte:
sexta-feira, 25 de julho de 2008
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