03/07/08 - O aumento em escala geométrica da demanda mundial por alimentos pode transformar o Brasil em mãe gentil não apenas dos filhos deste solo. Rebentos de outras terras também em desenvolvimento, como China, Rússia e Índia, deverão passar a se alimentar - e depender - cada vez mais dos frutos da terra brasileira nos próximos anos. "É uma oportunidade quase única na história do Brasil de crescer no mercado internacional", diz Geraldo Barros, coordenador científico do Cepea - Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Esalq - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", da USP.
Um estudo da Fapri (sigla em inglês do instituto de pesquisa em políticas para a alimentação e a agricultura, que possui centros de pesquisa nas Universidades de Iowa e Missouri/Columbia) faz uma projeção de que, na safra 2017/2018, as exportações mundiais de grãos (que incluem trigo, arroz, milho e soja) serão de aproximadamente 340 milhões de toneladas, das quais 58,3 milhões (ou 17,1%) provenientes do Brasil.
O Mapa - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, projeta um aumento de 6,9 milhões de hectares na área plantada brasileira, alcançando em 2018 cerca de 45 milhões de hectares cultivados. No entanto, esse número - e, conseqüentemente, as cifras futuras de produção e exportação brasileiras - poderia ser significativamente maior. Uma das principais vantagens do país, apontada por diferentes especialistas, é sua vasta extensão de terras ociosas.
O Banco Mundial trabalha com uma estimativa de 90 milhões de hectares virgens, desconsideradas as áreas de conservação ambiental. Esse volume de terras é aceito por estudiosos como Antônio Ramalho Filho, pesquisador da Embrapa Solos e doutor em planejamento de uso de terras pela Universidade de East Anglia, da Inglaterra. Ramalho acredita que entre 80 e 100 milhões de hectares esperam para serem cultivados ou manejados de forma mais eficaz.
Esse imenso território abrange, segundo Ramalho, diferentes regiões brasileiras. Uma delas é o que ele chama de pré-Amazônia ou arco do desflorestamento, uma faixa de terra desmatada a partir dos anos 70 para a formação de pastos ou extração de madeira, que contorna a floresta e abrange o sul do Maranhão, parte de Tocantins e o norte de Mato Grosso e de Rondônia. Esse solo, porém, oferece contra-indicações: em geral, é pobre em nutrientes, possui alta acidez e está numa região com forte incidência de chuvas. "Soja e milho só seriam viáveis por meio de uma agricultura altamente capitalizada", afirma o pesquisador.
O Centro-Oeste - contando com as regiões sul do Mato Grosso do Sul e norte e nordeste do Mato Grosso, onde ainda existem terras ociosas - continuará sendo um grande provedor destes grãos, que na próxima década terão uma alta demanda internacional e para integrar as rações dos rebanhos nacionais. Dados da Fapri indicam que em dez anos o Brasil passará de 29,6 milhões de toneladas de grãos de soja exportados atualmente para 54,2 milhões de toneladas, um aumento de mais de 83%. Esse resultado será puxado em grande parte pelas importações da China, hoje responsável por 32% de nossas vendas externas do produto.
No cálculo das áreas a serem cultivadas entram ainda o norte e o centro-oeste de Minas Gerais, o norte e noroeste do Rio de Janeiro e o noroeste do Paraná, desde que, de acordo com Ramalho, sejam recuperadas. A incorporação dessas terras do Sudeste e do Sul permitiria um aumento do plantio de culturas como arroz, feijão, canola e mesmo milho e soja. O semi-árido nordestino, ainda que limitado pelo clima, também é um território por explorar.
Mas a contribuição brasileira à demanda mundial de alimentos não se limitará aos grãos. O Mapa prevê que, em uma década, o país será responsável por mais da metade da carne bovina e de frango exportada mundialmente (52,2% e 56,3%, respectivamente), além de responder por 23,7% do comércio internacional de carne suína.
Apesar de ser um fator diferencial em relação a outros países produtores de alimentos, somente a terra não garantirá o salto da produção agropecuária brasileira, como alerta Barros, do Cepea. Para de fato aproveitar o momento atual, o Brasil necessita elevar os investimentos em infra-estrutura geral e agrícola. "O governo tem que fazer sua parte no âmbito dos transportes, energia, controle sanitário e ambiental". Somente dessa forma o Brasil conseguiria atrair os cerca de 80 bilhões de reais anuais necessários para reestruturar especificamente o setor.
Até o ano 2000, segundo salienta o coordenador científico do Cepea, o Brasil não aumentava a área utilizada para a agricultura, mas intensificava seu uso por meio de tecnologia e melhoramento genético. De lá para cá, a falta de aporte financeiro nesses setores provocou uma "perda do fôlego em produtividade" nas lavouras.
Do lado produtivo, frigoríficos e projetos para obtenção de etanol têm se beneficiado com uma maior injeção de capital, e o grau de investimento concedido ao País pela agência de classificação de risco Standard & Poor´s pode permitir, de acordo com Barros, a aplicação de uma verba maior no agronegócio. Mas há muitas falhas por corrigir. Um grande número de produtores, por não possuírem armazéns dentro da fazenda, alocam sua produção em instalações de grandes empresas e, muitas vezes, acabam se endividando com os custos de estocagem. "O governo teria que financiar a construção de silos, e hoje não existe esse tipo de crédito", comenta.
A recente publicação da Medida Provisória 432, que renegocia cerca de 80% da dívida dos produtores rurais, poderá fazer com que pequenos e médios proprietários somem esforços no atendimento à demanda de alimentos. Dados do Cepea/Esalq mostram que 14,8% da dívida rural no final de 2007, cerca de 13 bilhões de reais, correspondia a pequenas propriedades, enquanto os outros 85,2% (em torno de 75 bilhões de reais) são débitos de médios e grandes produtores.
No caso dos pequenos, as regras estabelecidas pelo Incra - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, minimizam o potencial de suas terras, já que proíbem o cultivo de qualquer produto que não seja alimento. "Não podem arrendar, vender ou plantar as culturas mais rentáveis. Como não têm escala, se tornam inviáveis", lamenta Barros.
A escassez mundial de insumos agrícolas e o descomunal aumento registrado nos preços - em alguns casos, o salto foi de até 300% nos últimos 18 meses - podem também se transformar em entraves à expansão da produção e da produtividade brasileira de grãos e carne. Causada por fatores como o aumento do consumo de carne em países em desenvolvimento, expansão do etanol de milho e elevação dos preços do petróleo, essa situação atinge em cheio a indústria nacional, que em 2007 importou 75% do nitrogênio, 92% do potássio e 51% do fósforo utilizados na fabricação de fertilizantes (2,1 milhões, 3,8 milhões e 1,8 milhão de toneladas de nutrientes, respectivamente), segundo dados da Anda - Associação Nacional de Difusão de Adubos.
Este ano, o volume do consumo de adubos deve ser ainda maior que em 2007, quando o país utilizou cerca de 23 milhões de toneladas do produto em suas lavouras. De acordo com a Anda, o Brasil deve empregar 26 milhões de toneladas do material. Para continuar atendendo à demanda interna e com preços acessíveis aos produtores, o diretor executivo da entidade, Eduardo Daher, vê na prospecção de novas jazidas de matérias-primas em território nacional a saída para médio e longo prazo.
O governo chegou à mesma conclusão que a Anda, e pediu em meados de maio ao DNPM - Departamento Nacional de Produção Mineral, um relatório minucioso das reservas potenciais e confirmadas de fósforo e potássio em solo brasileiro. Hoje, o país só conta com uma mina de potássio - nutriente do qual é mais dependente -, explorada pela Vale em Sergipe. Sabe-se da existência do mineral no subsolo amazônico, mas a exploração da área, até o momento, não foi autorizada.
A situação do nitrogênio não é muito distinta. Duas grandes companhias, Petrobrás e Fosfértil, extraem toda a matéria-prima utilizada pelo mercado interno em Camaçari, BA, Laranjeiras, SE, Araucária, PR, e Cubatão, SP. Já a exploração nacional do fósforo, de maior escala, se concentra nos municípios de Araxá, Patos de Minas, Lagamar, Tapira (os quatro em Minas Gerais), Catalão, GO, Irecê e Campo Alegre de Lourdes (ambos na Bahia), e nas mãos de quatro grandes empresas: Bunge, Copebrás, Fosfértil e Galvani.
Não deve ser esquecida ainda a questão ambiental, tão enfatizada nacional e internacionalmente. Na região amazônica, uma nova polêmica deve ganhar força em breve: a aprovação na Câmara dos Deputados, de uma medida provisória que, sob a ótica ambientalista, pode agravar o desmatamento. A MP 422, se aprovada no Senado, vai alterar de 500 para 1,5 mil hectares o tamanho da área pública na Amazônia Legal que pode ser concedida, sem licitação, para uso rural.
Se o check list das tarefas a serem cumpridas por governo e iniciativa privada é longo e de complicada execução, razões para buscar cumpri-lo não faltam. Além da imensa extensão de terras disponíveis para a agricultura, o Brasil tem clientes cujo crescimento na próxima década deverão dinamizar ainda mais o comércio exterior.
A Rússia, hoje responsável por entre 10% e 15% das vendas externas de carne bovina e de frango brasileiras, pode elevar as negociações no segmento, já que o consumo per capita de carne daquele país deve passar de 54,4 quilos em 2007 para 63,7 quilos em 2017, segundo a Fapri. A nação em desenvolvimento oferece ao Brasil um farto pedaço de queijo para ser cortado. A pergunta é: em quanto tempo estaremos prontos para abocanhar a fatia?
Fonte:
Da Agência
sexta-feira, 4 de julho de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário