segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Quem é o vilão?

Fica claro que não se trata apenas de uma questão de evitar a fome mundial, mas de um verdadeiro pânico e contra-ataque diante da ameaça do biocombustível brasileiro.

Desde a época do Pró-álcool nunca se falou tanto sobre etanol. Na década de 1970, o combustível foi a salvação da primeira grave crise energética enfrentada pelo Brasil. Aos poucos, o petróleo retomou seu posto e o pobre combustível tupiniquim foi relegado a uma quase nobre insignificância, já que um herói, mesmo que enfraquecido, nunca deixaria de ser um herói.

Naturalmente, tratava-se apenas do primeiro round. As reservas naturais de petróleo já começam a dar sinais de cansaço, o preço do barril se eleva a cada pregão das bolsas, o que eleva ainda mais o preço na bomba para o consumidor, que é quem paga a conta. Todas essas peças já comporiam um cenário mais que perfeito para o surgimento de uma via alternativa, mas não bastou. Com mudanças bruscas na temperatura do planeta e fenômenos naturais que assolam cidades inteiras, o meio ambiente dá sinais de que algo precisa mudar, e rápido.

Como em todas as histórias de bandidos e mocinhos, por diversas vezes o mocinho é interpretado como um oportunista, que lança mão da desgraça alheia para agregar valor ao seu poder. Com o etanol não poderia ser diferente. A bola da vez foi a crise dos alimentos e declarações sem qualquer fundamentação técnica publicadas na imprensa mundial tentaram em vão fazer uma relação direta entre a produção de biocombustíveis e o aumento do preço dos alimentos.

Há inúmeros fatos que refutam completamente tais afirmações. Em primeiro lugar, há uma crescente demanda no consumo de alimentos, impulsionada por países como China e Índia, concomitante a um aumento da população mundial e a uma elevação de renda dos países emergentes. Para se ter uma idéia, nos últimos 200 anos a população mundial saltou de 957 milhões para 6,7 bilhões de pessoas. E a projeção é de que em 2050 o mundo tenha nada menos que 9 bilhões de habitantes. Com o crescimento populacional aumenta também o desafio de se produzir mais para alimentar tanta gente. Em 2001, por exemplo, a China consumia por ano 450 milhões de toneladas de cereais. No ano passado, esse número saltou para 513 milhões de toneladas.

Outro ponto que sem dúvida interfere nos custos dos alimentos é o preço do petróleo que, segundo analistas do setor, deve chegar em breve à casa dos 200 dólares o barril. A explicação é simples. O petróleo é utilizado como matéria-prima para grande parte dos combustíveis utilizados no maquinário agrícola, no transporte de alimentos e na produção de fertilizantes. Talvez nem precisassem ser citadas as diversas barreiras tarifárias impostas aos mais variados insumos alimentícios em todas as partes do mundo. Ou seja, os custos para produção de alimentos tiveram uma grande elevação.

Entre tantas provas de que o etanol não é o vilão desta história, ouvi o mais interessante argumento dito por um produtor de biodiesel em um evento do qual participei em Nova Iorque. “Na Somália, por exemplo, um dos graves problemas é a falta de arroz. Até onde sabemos, hoje não há nenhum biocombustível sendo feito a partir do arroz, nem tampouco os biocombustíveis deslocam áreas de plantio de arroz”.

Tantos argumentos só justificam o que o mundo inteiro já viu. Hoje são consumidos em torno de 1 trilhão de litros de gasolina/ano. Caso fossem adicionados ao combustível 25% de etanol, seria criado um mercado de 250 bilhões de litros de etanol/ano. Para se ter uma idéia, hoje a produção brasileira representa menos de 25 bilhões de litros/ano. Contudo, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), 25% de toda a frota de veículos no mundo poderão ser movidos a etanol até 2050.

Naturalmente, utilizar o argumento que incrimina o etanol de milho e o combustível da cana funcionaria como um belo susto àqueles que pensavam em investir maciçamente nesse setor. Mas essa argumentação durou pouco e não funcionou. Ao contrário, os investimentos externos nesse setor nunca foram tão intensos. De acordo com um estudo divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), os investimentos externos diretos nas atividades agrícolas cresceram mais que em outros setores da economia, como indústria e serviços. Nos últimos sete anos houve um aumento de 500%, de 2,3% para 13,8% do total de investimentos.

A vantagem do Brasil está latente, para quem tiver interesse em ver. O potencial do país pode conduzi-lo ao papel de um dos mais importantes players desse mercado, afinal, projeções indicam que o país deve liderar o mercado As condições são ideais em todos os sentidos. Maior fronteira agrícola do mundo, com terras férteis e vasta área para o cultivo, clima e relevo adequados, know-how que vem evoluindo desde o Brasil colonial e um forte aporte de investimentos externos.

O setor sucroalcooleiro no Brasil vem se preparando para um novo patamar de crescimento, com uma maior profissionalização na gestão das usinas, diversificação de investimentos como a co-geração de energia elétrica a partir do bagaço da cana-de-açúcar, busca constante por inovações tecnológicas no canavial, movimento de fusões e aquisições, abertura de capital, processo de Governança Corporativa, entre outras práticas que dão credibilidade ao mercado. Fica claro, assim, que não se trata apenas de uma questão de evitar a fome mundial, mas de um verdadeiro pânico e contra-ataque diante da ameaça do biocombustível brasileiro. Para quem não acreditava no Brasil, observe os heróis e guerrilheiros angustiados com o canto do Macunaíma.

Marcelo Schunn Diniz Junqueira
Marcelo Schunn Diniz Junqueira é engenheiro agrônomo e CEO da Clean Energy Brazil.

Fonte: Clean Energy Brazil

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